O que sabemos sobre ESG? Como estas três letras estão mudando a visão de mundo das empresas e impactando o mercado global? Por que este conceito tem ganhado cada vez mais destaque nos últimos anos?
Para responder a estas e outras perguntas sobre o tema, conversamos com o especialista Ricardo Assumpção, CEO da Grape ESG. Entre outros tópicos, ele explica o que é o ESG na prática e como as empresas estão se adaptando ao conjunto de ações que ele engloba (Environmental, Social and Governance), considerando a crise da covid-19 e perspectivas.
“A pandemia colocou um holofote na fragilidade e como riscos não financeiros podem ser devastadores para a economia e para a sociedade como um todo. Então, isso abriu um pouco os olhos das pessoas de que nós, como empresas, como sociedade ou como governo, temos uma obrigação de cuidar do planeta”, destaca.
Ricardo Assumpção ressalta ainda que o investimento do ESG no Brasil praticamente multiplicou por 10, de 2019 a 2020. Mas pondera que é preciso ficar atento, “pois muita gente tem procurado aproveitar essa onda positiva do ESG para criar produtos que não são necessariamente íntegros nessa área”.
Leia a entrevista completa:
Revista Saneas – Ao que se deve o impulsionamento do ESG no mercado nos últimos anos? Por que as empresas passaram a se importar tanto com esse conceito?
Ricardo Assumpção – ESG nada mais é do que a forma como medimos a sustentabilidade numa empresa. Sustentabilidade é um assunto que sempre foi importante, mas nos últimos anos ganhou uma força especial, por conta da necessidade das empresas e da responsabilidade delas em criar impactos positivos. E a pandemia acelerou em alguns anos esse processo, junto com o movimento do mercado financeiro de pressionar cada vez mais as empresas a terem atitudes responsáveis como forma de mitigar os seus riscos. E ele tem a ver com os riscos não financeiros que têm impacto legal e econômico. Hoje, uma empresa que não tem isso perde sua capacidade, primeiro de atração de investimento, pois o mercado financeiro exerce uma pressão muito grande por atitudes responsáveis. E segundo, na outra ponta, ela perde competitividade, porque a sociedade cada vez mais espera das empresas atitudes mais responsáveis, seja no social, seja no meio ambiente, ou na parte de governança. E tudo isso está muito ligado à reputação.
Revista Saneas – Esse “boom” do ESG está relacionado também às transformações da sociedade contemporânea, cada vez mais preocupada com questões sociais e ambientais?
Ricardo Assumpção – O boom do ESG está muito relacionado às transformações do modelo de negócio na sociedade contemporânea. Passamos agora pela maior transferência geracional de todos os tempos. Os millennials, que são as pessoas que nasceram entre 1981 até 1996, hoje representam mais ou menos 30% da população, e são consumidores. Dentro de 5 anos, os millennials, ou geração Z, vão ser também os gestores das empresas e as pessoas que vão determinar, dentro dos bancos e dos Asset Management, onde será alocado o dinheiro. E essa geração tem o propósito pessoal muito alinhado com o propósito profissional. Então, são consumidores extremamente conscientes, que querem saber como uma empresa testa seu produto – se é em animal ou não; como a empresa cuida dos seus resíduos – se ela desperdiça, e que tipo de impacto ela está causando no planeta. Então, sem dúvida nenhuma, tem uma correlação direta entre o ESG e a transferência geracional que a gente está passando agora.
Revista Saneas – Qual a importância de priorizar as boas práticas de ESG?
Ricardo Assumpção – Priorizar o ESG está ligado à capacidade das empresas de prosperar. E eu vou além, está ligado com a capacidade das empresas de sobreviver no futuro. O ESG não é uma moda. O ESG é uma transformação do modelo de negócio, o qual passamos a computar a variável impacto junto com risco e retorno. E tudo isso tem a ver, principalmente, com uma necessidade das empresas de cada vez mais fazerem ou criarem impacto positivo onde elas estão. O planeta é um só. Então, dar errado para um é dar errado para o outro. Dar errado para um país é dar errado para outro país. Todos nós temos quase que uma obrigação de cuidar para que possamos prosperar. Podemos dizer que o ESG não faz milagre, mas as empresas que não integrarem ele às suas estratégias terão sérias dificuldades de competir num mercado que cada vez mais exigirá atitudes íntegras, éticas e responsáveis das empresas.
Revista Saneas – A pandemia da Covid-19 acelerou a expansão deste movimento?
Ricardo Assumpção – A pandemia de covid-19 acelerou sim, e muito, estimamos que entre 5 e 10 anos. A pandemia colocou um holofote na fragilidade e como os riscos não financeiros podem ser devastadores para a economia e para a sociedade como um todo. Então, isso abriu um pouco os olhos das pessoas de que nós, como empresas, como sociedade ou como governo, temos uma obrigação de cuidar do planeta. As mudanças climáticas podem afetar de uma forma drástica, por exemplo, a parte de pandemias. Tanto o desmatamento quanto o derretimento de calotas do permafrost pode liberar não só uma quantidade exorbitante de carbono na atmosfera, como também liberar vírus, hantavírus e coronavírus, que hoje estão presos ali, mas que podem passar para um hospedeiro e ser uma ameaça de novo à sociedade como um todo e, por consequência, à nossa economia. Então, hoje, a pandemia que trouxe muita tristeza, também trouxe uma oportunidade única de reflexão para que a gente reconstrua pensando nos impactos do planeta.
Como está o cenário de investimentos ESG no Brasil? Como as empresas brasileiras têm se comportando em relação a este tema?
Ricardo Assumpção – O cenário de investimento do ESG no Brasil praticamente multiplicou por 10, de 2019 a 2020. Cada vez mais os fundos criam seus produtos lastreados por investimento ESG – investimento e sustentabilidade. Porém, temos que ficar muito atentos, pois muita gente tem procurado aproveitar essa onda positiva do ESG para criar produtos que não são necessariamente íntegros nessa área. Então, acredito que os investimentos ESG têm uma tendência de crescer bastante. No mundo todo, ele já atinge uma cifra enorme, podemos falar de mais de trilhão de dólar. E pensarmos que nas próximas duas décadas os millennials, que já comentei, vão alocar 80 trilhões de dólares em recursos, e grande parte desses recursos vão ser direcionados para o ESG, estamos na ponta do iceberg em termos de investimentos ESG. Por outro lado, as empresas têm uma oportunidade única, porque as empresas que têm metas de sustentabilidade, seja ambiental ou social, têm um mercado quase que novo à disposição. Os green bonds e sustainability-linked bonds são títulos e empréstimos que estão linkados a metas de sustentabilidade e proporcionam condições bem mais atraentes para as empresas pegarem capital, com taxas muito mais competitivas e taxas variáveis. À medida que a empresa melhora ou mantém as suas metas, ela tem uma taxa, se ela piora suas metas, essa taxa cresce. As empresas brasileiras no geral estão começando a se sensibilizar com esse assunto, mas muitas delas estão incidindo no que chamamos de greenwhashing, que é tentar aproveitar essa onda e falar mais do que fazem, principalmente as empresas do setor de infraestrutura e do setor de saneamento. Temos visto uma preocupação crescente para que elas adotem posturas, trazendo sustentabilidade não como algo compartimentalizado, mas como algo transversal dentro das suas empresas.
Revista Saneas Quais as projeções para o cenário de ESG nos próximos anos?
Ricardo Assumpção – O cenário de ESG tem uma projeção crescente, no mínimo nos próximos cinco anos. Então, ele não se estabiliza nos próximos cinco anos e isso abre um mercado quase que novo. Porque, à medida que as empresas forem integrando o ESG em sua estratégia, isso vai exigir profissionais treinados, profissionais gabaritados, então vai abrir mercado de treinamento, vai abrir o mercado de formação de profissionais e de consultoria. Claro que, à medida que as empresas vão criando as suas metas, elas vão também precisando cada vez mais serem inovadoras para poderem perseguir essas metas. Então, eu creio que o mercado de inovação vai ser um mercado muito forte nos próximos anos. Não entendam inovação como tecnologia, entendam inovação principalmente como pessoas. Empresas que permitem ambientes de testagem, de experiência, que contratem de forma que tenha bastante diversidade e cabeças diferentes, tendem a trazer mais criatividade, tendem a chegar a soluções melhores. E isso, em primeiro plano, traz uma eficiência operacional muito grande. E na sequência, isso vai criar um diferencial competitivo muito forte. Nos próximos cinco anos, só esperamos crescimento e, talvez, nesses cinco anos consigamos atingir o primeiro patamar de estabilidade.
Raio X
Ricardo Assumpção tem 20 anos de experiência em Relações Governamentais, Estratégia de Marketing, Consultoria, ESG e Desenvolvimento de Negócios. Desde 2012, desenvolve projetos utilizando a sustentabilidade como catalisador para a inovação. É formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com curso de extensão em Neurobiologia e Neurociência pela Universidade de Harvard, além de ser certificado em Liderança em Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa pela London Business School.