SANEAS EDIÇÃO 83 ESPECIAL ÁGUAS RESIDUAIS
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Revista Saneas – Como a aplicação do conceito de economia circular pode auxiliar as ETEs a se tornarem produtoras de energia e recuperar nutrientes dos esgotos e do lodo?
Daniel Nolasco – A energia contida no material orgânico do esgoto bruto doméstico é de duas a quatro vezes maior que a quantidade necessária para seu tratamento. Infelizmente, muitos dos projetos originais de estações de tratamento de esgoto foram pensados apenas para eliminar a contaminação, sem dar maior ênfase ao aproveitamento dessa energia proveniente dos efluentes. Provavelmente, isso se deve ao fato de que, até poucos anos atrás, muitos planejadores e engenheiros consideravam que a economia circular era uma questão para os países desenvolvidos: diziam “primeiro tratamos os efluentes, depois vamos pensar na Economia Circular”. O problema é que, uma vez tomada a decisão sobre o tipo de processo a adotar, fica difícil convertê-lo em um processo que aproveite bem a energia do esgoto bruto.
Os engenheiros da Sabesp entenderam isso. Por exemplo, as ampliações que estão sendo implementadas nas ETEs da Região Metropolitana de São Paulo levam em consideração a otimização energética.
Isto é conseguido através da geração de eletricidade a partir do biogás, cuja produção pode ser maximizada com as modificações que serão implementadas nestas estações. Mas, por outro lado, os processos de tratamento estão sendo modificados para reduzir drasticamente o consumo de energia elétrica. Uma área fundamental para essa redução está no sistema de aeração, que consome entre 50% e 70% de toda a energia elétrica consumida na estação. Esta economia de consumo permite reduzir consideravelmente a diferença entre a eletricidade consumida e a produzida.
Exemplos de modificações de processos que permitem gerar economia de energia elétrica e que serão implementadas em algumas das grandes ETEs da Região Metropolitana pela Sabesp são:
– Tratamento primário quimicamente assistido (CEPT): que quase dobra a remoção de carga orgânica (expressa em toneladas de DBO) nos decantadores primários. A CEPT aumenta a remoção de DBO de aproximadamente 25% para 50% e reduz a demanda de oxigênio nos tanques de areação, gerando economia de eletricidade nos sopradores de ar que fornecem o referido oxigênio. Além disso, a CEPT aumenta a carga orgânica que é enviada com os lodos primários para os digestores anaeróbicos. Isso resulta numa maior produção de biogás e, consequentemente, numa maior cogeração de energia (eletricidade e calor) a partir dos referidos incrementos de biogás.
– Introdução de zonas anóxicas em reatores de lodos ativados: que aumenta a eficiência da transferência de oxigênio em zonas aeróbicas a jusante, ao mesmo tempo em que diminui a demanda de oxigênio nessas zonas.
– Análise da eficiência da transferência de oxigênio, limpeza periódica dos difusores de ar e controle automático de oxigênio dissolvido.
Existem outras tecnologias de tratamento que podem ser implementadas no futuro, como o tratamento de nitrogênio por nitrificação e desnitrificação nas correntes de retorno do sistema de tratamento de lodo. Mas, por enquanto, não seria necessário implementá-lo.
Com relação à recuperação de nutrientes, o lodo digerido e desidratado que sai de uma ETE como subproduto do tratamento de efluentes contém altas concentrações de nitrogênio, fósforo e outros nutrientes. Quando esse lodo recebe um tratamento que permite seu reaproveitamento benéfico, ele é chamado de biossólido. O método mais fácil para aproveitar os nutrientes em um ETE seria com o tratamento adequado dos lodos e uso de biossólidos como fertilizante. Porém, como existem indústrias que contribuem com seus efluentes para essas ETEs, é importante analisar a qualidade do biossólido gerado para avaliar em qual aplicação ele pode ser utilizado e qual tratamento adicional é necessário. A utilização de biossólidos como fertilizantes é muito comum em inúmeras ETEs e a Sabesp já trabalha no planejamento desse reaproveitamento.
Revista Saneas – Como deve ser realizada a remoção dos nutrientes presentes no efluente tendo em vista o tratamento do esgoto e a recuperação de recursos?
Daniel Nolasco – A remoção parcial de nutrientes (principalmente nitrogênio e fósforo) do efluente final é um processo que ocorre naturalmente quando é feito um tratamento primário seguido de um tratamento biológico de lodo ativado. O nitrogênio e o fósforo removidos são, conforme indicado anteriormente, removidos sob a forma de lodo/biossólido.
No entanto, é possível aumentar a remoção de nutrientes por meio de modificações nos processos de tratamento biológico. Essa remoção adicional de N e P geralmente é implementada quando exigido pela legislação ou quando há demanda de água tratada para reúso. Nestes casos, o tipo de qualidade exigida (concentração máxima de N e P) define o tipo de tratamento a ser realizado. Atualmente, a Sabesp trabalha para aumentar o reúso de efluentes tratados. Já existem exemplos muito bons de reaproveitamento com remoção parcial de nutrientes na Sabesp, como é o caso da associação com o Aquapolo na ETE ABC.
A Sabesp está avaliando a reutilização de efluentes tratados em outras estações, o que pode exigir remoção adicional de nutrientes.
Revista Saneas – Quais os principais obstáculos para a implementação de sistemas deste tipo?
Daniel Nolasco – Existem outros métodos que têm sido utilizados principalmente em países desenvolvidos para a extração de nutrientes, como a precipitação de estruvita (um sal de magnésio, amônia e fosfato) que pode ser conseguida sob certas condições de pressão e temperatura, através de determinados processos numa ETE. Em geral, uma das principais limitações para a remoção avançada de nutrientes é o custo de implementação (CapEx e OpEx) em comparação com a receita relacionada à venda de águas residuais ou compostos com nutrientes (seja na forma de biossólidos, estruvita ou outros compostos).
Revista Saneas – Quais os benefícios sociais, operacionais, financeiros e ambientais que a ETE Sustentável traz?
Daniel Nolasco – A implantação de sistemas que favorecem a economia circular, transformando as tradicionais estações de redução de poluição (ETEs) em estações de reaproveitamento de recursos de esgoto, impactam positivamente não só o meio ambiente, mas também a economia de empresas como a Sabesp.
Citando o exemplo da geração de energia, vemos que não só a eletricidade e o calor podem ser gerados, potencialmente gerando recursos a partir de sua venda, mas também seu consumo e, portanto, os custos operacionais da empresa podem ser reduzidos. Ao reduzir o consumo de energia elétrica, reduz-se também a emissão de gases de efeito estufa, o que resulta na descarbonização da empresa e na melhoria do meio ambiente local e global.
Algumas empresas líderes estão convertendo suas ETEs em biofábricas que recebem receita com geração de energia, venda de efluentes para reúso e fertilizantes, ao mesmo tempo em que reduzem a pegada de carbono das operações. Com seus projetos de otimização de ETEs, a Sabesp caminha nessa direção.