Américo Sampaio, mestre em Hidráulica e Saneamento

Engenheiro é um dos colaboradores da equipe responsável pela concepção do Museu Água e fala sobre a importância da iniciativa para valorização do setor, além do seu novo blog voltado para questões de saneamento.
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Nosso convidado especial desta semana é o engenheiro civil e mestre em Hidráulica e Saneamento, Américo de Oliveira Sampaio. O especialista trabalhou por mais de 30 anos na Sabesp, onde atuou como gerente de departamento e superintendente de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Ele também foi coordenador de Saneamento na Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo.

Hoje, Sampaio é um dos colaboradores à frente da concepção do Museu Água de São Paulo, iniciativa da Associação dos Engenheiros da Sabesp – AESabesp, para estimular o interesse das pessoas pela história do setor e conscientizá-las sobre a importância da água e do meio ambiente.

Em entrevista à Saneas Online, o engenheiro comenta sobre o impacto social do museu, o papel do projeto na conscientização ambiental e detalha as ideias do seu novo blog voltado para discussões do saneamento.

Leia, a seguir, a entrevista completa:

Saneas Online – O senhor é um dos membros da equipe da AESabesp responsável pelo desenvolvimento do Museu Água, novo polo sociocultural de São Paulo. Como você avalia a importância deste projeto?

Américo Sampaio – Esse projeto cultural é de grande relevância por abordar um tema de tamanha importância ao desenvolvimento social, econômico e preservação ambiental. A água está intimamente relacionada a gênesis da vida e, portanto, à nossa existência.

Sua presença no seu estado líquido em nosso planeta foi fundamental para a formação, há quase 3,5 bilhões de anos, do “caldo primordial”, que propiciou a ocorrência de reações químicas de diversas substâncias inorgânicas, resultando no surgimento de compostos orgânicos complexos e, posteriormente, dos primeiros seres vivos.

Nossa espécie, homo sapiens, é muito recente – menos de 300 mil anos, mas apenas após a chamada “revolução agrícola”, ocorrida há cerca de 12 mil anos, começamos a desenvolver as primeiras práticas de gestão e governança da água.

A compreensão de todo esse histórico é imprescindível para que a sociedade possa conscientizar-se sobre a importância desse recurso natural, e, dessa forma, tomar as necessárias ações para o equacionamento dos enormes e gravíssimos problemas hídricos que enfrentamos atualmente. Tenho absoluta certeza que o Museu Água poderá contribuir substancialmente para isto.

Saneas Online – A criação do Museu Água pode ser considerada uma forma de estreitar laços com a população em prol da conscientização e valorização do saneamento ambiental?

Américo Sampaio – Grande parte da população não possui conhecimento dos ciclos biogeoquímicos da água e da complexidade dos processos de governança e gestão desse recurso natural. Precisamos, urgentemente, criar mecanismos de informação e conscientização da sociedade, que nos permitam construir um novo olhar sobre as questões relacionadas ao saneamento ambiental, um olhar mais holístico, integral e sistêmico.

As grandes discussões e decisões sobre o saneamento ambiental em nosso país não podem continuar sendo tomadas dentro dos gabinetes e escritórios governamentais e das empresas concessionarias dos serviços. Precisamos incluir a sociedade nesse processo. Tenho certeza de que o Museu Água contribuirá muito para isso.

Saneas Online – O senhor é também um dos responsáveis pelo blog “Roda D’Água”, com o objetivo de promover discussões sobre o saneamento. Como surgiu esta ideia e quais são as expectativas deste projeto?

Américo Sampaio – Incentivado por um grupo de sanitaristas, muitos deles ex-sabespianos, resolvi criar o blog “Roda D´Água” (https://www.rodadaguablog.com/). Esse novo veículo de comunicação objetiva discutir temas relacionados ao saneamento, saúde ambiental e gestão de recursos hídricos.

Um espaço inclusivo, plural e democrático, onde os autores podem expressar, com isenção e liberdade, suas opiniões, ideais e sentimentos. Não é permitido qualquer tipo de manifestação político partidárias, discriminatórias, negacionistas, antidemocráticas, desrespeitosas ou destinadas à apologia do discurso de ódio.

O site conta com seções destinadas à publicação de ensaios, material áudio visual, encaminhamento de sugestões e cadastramento do leitor para receber notificação, via e-mail, cada vez que seja realizada uma nova publicação.

Ficaremos felizes em contar com o acesso de todos os associados da AESabesp em nosso blog. Ficaríamos ainda mais contentes em receber material autoral dos associados de nossa prestigiosa associação para futuras publicações.

Saneas Online – Na sua visão, quais as perspectivas para o futuro do setor de saneamento no Brasil e quais os desafios para garantirmos acesso à água tratada e esgotamento sanitário para todos?

Américo Sampaio – Aproveito a oportunidade para responder essa indagação, utilizando parte do texto de um ensaio de minha autoria no blog Roda D´Água.

O novo Marco Legal do Saneamento vem sendo considerado como a “bala de prata” do setor, que permitirá, em pouco mais de uma década, viabilizar a tão desejada universalização dos serviços em todo território brasileiro.

Este dispositivo legal pretende criar segurança jurídica e econômica que propicie o aumento dos investimentos do setor privado no país ao estabelecer a obrigatoriedade de licitação de novos contratos de prestação de serviço com metas rigorosas e ambiciosas de cobertura, criação de blocos regionais que permitam ganhos de escala, proibição de novos contratos de programas (sem licitação) entre o poder municipal e companhias públicas ou de capital misto e a ampliação da competência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para definição de normas e padrões para o setor.

Um estudo realizado pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços de Água e Esgoto (ABCON) estima que o montante de investimentos é muito superior ao definido no Plansab. Segundo esse estudo, a universalização dos serviços de saneamento no Brasil exige investimentos de cerca de R$ 498 bilhões, destinados apenas à expansão da infraestrutura de saneamento (144 bilhões no sistema de abastecimento de água e 354 bilhões no de esgotamento sanitário). Somando-se a isso, R$ 110 bilhões para recomposição dos ativos já existentes, teríamos uma necessidade de investimento total de 753 bilhões (R$ 47 bilhões/ano).

Apenas nos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário seria necessário, portanto, aumentar os investimentos atuais em cerca de 430%. As perguntas que não querem calar são:

Investimentos dessa ordem de magnitude seriam factíveis? Caso positivo, quais condições seriam necessárias para garantir sua viabilidade? A tão propagada eficiência do setor privado seria suficiente para compensar a remuneração de investimentos dessa ordem, sem a necessidade de implantação de um mega tarifaço ou de vultuosos subsídios governamentais?

Deve-se levar em consideração, igualmente, que grande parte do atual déficit de infraestrutura de água e esgoto está relacionada às aglomerações subnormais, onde a capacidade a pagar dos moradores pelos serviços prestados é bastante reduzida. Tal fato, levaria a necessidade de incrementar, ainda mais, os subsídios cruzados envolvendo outros setores da sociedade ou atividade econômicas, cuja capacidade e disponibilidade a pagar carece de melhor avaliação.

A possibilidade de implantação de um sistema misto, em que parte dos recursos econômico-financeiros necessários para o garantir esse incremento de investimento e custeio (CAPEX e OPEX) seria arcado pela tarifa, e o restante pelo tesouro, nunca fez parte da discussão desse marco legal.

Enquanto essas questões não forem devidamente esclarecidas e equacionadas, considero que o saneamento no Brasil esteja diante de uma encruzilhada.

Um dos caminhos nos levará a um enorme aumento tarifário, dificilmente aceito e suportado pela população e capaz de conduzir a uma enorme convulsão social – o caminho da ‘Cochabamba Brasileira’. A outra opção, é o caminho da ‘Grande Farsa’, em que as companhias privadas, após assumirem os novos contratos de concessão, não cumprirão o cronograma de investimentos previstos. O recente exemplo do município de Manaus é bastante esclarecedor.

Precisamos sempre ter em mente a épica canção “Stairway to Heaven”, de Jimmy Page e Robert Plant: “Sim, há dois caminhos que você pode seguir, mas na longa estrada, há sempre tempo de mudar o caminho que você segue.”

Raio X

Américo de Oliveira Sampaio é engenheiro civil e sanitarista, com mestrado em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou por mais de 30 anos na Sabesp, onde atuou como gerente de departamento de ETEs (Estação de Tratamento de Esgoto) na Região Metropolitana de São Paulo e Superintendente de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação. Foi também coordenador de Saneamento na Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo.

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