Juventude pela Água – Enfrentando Riscos Globais

Texto de Paulo Massato, especialista em Saneamento, escrito em parceria com o filho Paulo Shinji Carvalho Yoshimoto, que lidera o parlamento dos jovens, financiado pela UNESCO. Ele participou do Fórum Mundial da Água no Senegal, depois no Tajiquistão, e assina a segunda parte do artigo.

Planeta Terra está menor: os satélites com as internets podem interligar quase em tempo real bilhões de seus habitantes, os voos intercontinentais transportam milhões de passageiros, a velocidade supersônica sobre os enormes oceanos, de um continente para outro em poucas horas, o volume de conhecimento disponível para pessoas com acesso a tecnologias e capacidade de leitura é quase que inimaginável.

Nossos modos de vida se alteraram com grande velocidade, e causamos perigosos desequilíbrios para nós e para os demais habitantes do planeta, com a superposição de 4 riscos.

Risco 1: AMEAÇAS AMBIENTAIS, os limites da capacidade de regeneração e substancialidade estão sendo ultrapassados, chegando a pontos sem volta de degradação. A partir de certos pontos de inflexão, a terra deixa de se regenerar, e inicia ciclos de degradação que não seremos mais capazes de impedir. Vemos seus efeitos em cenários catastróficos, como extinções em massa, o derretimento da criosfera, variações extremas de temperatura, severas estiagens e inundações, aquecimento dos mares, acidificação dos oceanos, etc.

Risco 2: PANDEMIAS, o vírus de zoonose da Covid que passou a contaminar humanos na China se propagou rapidamente para todos os recantos do globo terrestre com alta letalidade. A resposta da ciência foi rápida e em menos de 1 ano diversas vacinas estavam disponíveis e bilhões de pessoas foram vacinadas, ainda que haja bolsões sem vacina, por pobreza ou vítimas da desinformação. Conforme a humanidade avança por sobre o meio ambiente, aumentam as chances de novos vírus. Qual será a próxima pandemia?

Risco 3: POBREZA E DESIGUALDADE provocado pelo modelo econômico praticado está promovendo uma altíssima concentração de renda para poucos e a fome e a miséria para muitos. As ondas de imigrações legais e ilegais para os países do hemisfério norte de famílias que buscam uma vida minimamente digna são barradas nas fronteiras por forças policiais e dos exércitos, por seus habitantes cada vez mais xenófobos manobrados por políticos conservadores de partidos de extrema direita. Sem uma melhor distribuição das riquezas, as invasões dos famélicos serão inevitáveis;

Risco 4: GUERRA NUCLEAR é uma ameaça, tão ou mais grave do que durante a crise dos mísseis de Cuba ocorrida entre 16 a 28 de outubro de 1962 que foi o mais próximo que se chegou ao início de uma guerra nuclear em grande escala durante a Guerra Fria.

Fosse a ONU-Organização das Nações Unidas um partido político, a proposta da Agenda 2030 com os 17 OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL seria um dos programas de governo mais progressista dentre todos os partidos, com ações e metas a serem executadas em apenas 7 anos e que reduziriam drasticamente os riscos anteriormente enunciados, possibilitando vida a estas gerações que estão chegando agora, num planeta mais saudável.

A água está no centro do desenvolvimento sustentável e o ODS6 defende o acesso universal e equitativo à água potável e ao saneamento até 2030. A água é fundamental para a produção de alimentos e geração de energia, para o desenvolvimento social e econômico, para a reconstrução de ecossistemas saudáveis com redução da emissão de gases de efeito estufa, redução da mortalidade infantil, para a saúde, para qualidade de vida nas cidades, portanto, fundamental para a sobrevivência humana. A ODS6 é transversal a vários ODS. Neste sentido, foi proposta a revisão de meio prazo da implementação dos objetivos da década internacional da água em Nova York, de 22 a 24 de março de 2023.

As novas gerações devem estar preparadas para promover e concretizar as ações das ODS da ONU porque já são metade do nosso presente e serão todo o nosso futuro, e os responsáveis para viverem neste planeta pelos próximos 100 anos. De Dacar a Nova York passando por Dushanbe. Essa é a rota para a Conferência da ONU para a Água, que acontecerá em março de 2023. Nesse processo, o Parlamento Jovem Mundial da Água produziu um documento que merece particular atenção: a Visão da Juventude para a Água.

O processo de construção da Visão começou em Dacar, em março de 2022, alguns dias antes do Fórum Mundial da Água. Lá, lideranças jovens do setor da água de cerca de 60 países se reuniram para mapear o campo e elaborar estratégias conjuntas. Ficaram em um hotel em uma pequena cidade de pescadores, chamada Toubab Dialao, cerca de 20km de onde seria o Fórum e 55 km da cidade de Dakar.

A maioria das ruas da cidade não eram asfaltadas e o esgoto corria a céu aberto em diversas partes, e andando por elas, se via crianças jogando futebol. Pela noite adentro as pessoas ficavam pelas ruas ou embaixo de imensos baobás, e ainda que alguns estrangeiros falassem de insegurança, nada de experiência trabalhando no Brasil gritava perigo. As pessoas não eram ricas, mas tampouco havia miséria. Perguntando pelas ruas, diziam que a cultura do acolhimento impedia a fome e afastava a tristeza.

Foi nessa cidade pesqueira que os jovens representantes trabalharam dia e noite para elaborar uma pauta que mostrasse os pontos em comum da juventude. Com a consciência de que cada lugar do mundo tem seu problema específico, variando de corrupção, racismo, machismo, poluição, desmatamento, entre outros, ao mesmo tempo em que entendiam haver desafios mundiais em comum.

Em conjunto, avaliaram que as práticas atuais falharam em alcançar as metas propostas pelo SDG 6. No Brasil foi relatada não apenas a falta de investimento, mas uma necessidade de inovações sociais, legais e técnicas para atingir a universalização do saneamento básico. Sobretudo, a necessidade de uma visão humana, que levasse em consideração as perspectivas das comunidades e sobretudo das pessoas mais prejudicadas pela falta de água e de saneamento dessas comunidades, superando o racismo, a pobreza e a desigualdade de gênero. Foi afirmado que a juventude tem um papel essencial em trazer a inovação e reforçar práticas específicas de cada território para a gestão da água e universalização do saneamento.

É a juventude periférica que é capaz de entender e atuar na periferia, são as jovens mulheres que podem falar sobre desafios de gênero e que muitas vezes falam pelas crianças que cuidam. A juventude negra que pode falar sobre desafios raciais e impactos do racismo ambiental e da violência no acesso à água e ao saneamento. Tendo esses entendimentos como base, a Visão Parlamento Jovem Mundial da Água busca maior inclusão dessas juventudes em espaços de decisão e fortalecimento e financiamento para suas iniciativas, com três objetivos:

1.      Ações locais da juventude devem ser reconhecidas e fortalecidas em todas as esferas relacionadas à água.

Jovens possuem conhecimentos e já implementam ações importantes em relação à água no seu dia-a-dia. É importante que autoridades e financiadores reconheçam essas ações nos seus planejamentos e programas e que essa a liderança dessa juventude seja reconhecida, sobretudo de grupos mais marginalizados em termos de gênero, raça e renda.

2.      Melhora e maior diversidade nas oportunidades de trabalho.

São necessários um aumento e uma melhora de qualidade nas oportunidades de trabalho e de carreira – incluindo estágios e programas de jovens aprendizes. E é fundamental que essas novas oportunidades levem em consideração as conexões da água com outros setores, como meio ambiente, segurança alimentar, saúde, mudanças climáticas, segurança e economia, entre outros.

3.      Inclusão da juventude em espaços de tomada de decisão.

Deve haver uma participação significativa e plural da juventude em instituições e em espaços de decisão com relação à água. Essa participação deve ser formalizada, considerável e mensurável e incluir processos de preparação em que a juventude possa expressar suas visões livre e previamente.

O Parlamento Jovem Mundial da Água defende a necessidade da participação da juventude para que seja possível criar sistemas adaptados aos níveis locais, regionais, nacionais e internacionais, e sobretudo gerar a inovação técnica e social, acompanhada da recuperação de práticas locais importantes para gestão da água e da pressão política necessária para a universalização do saneamento.

É fundamental reconhecer e fortalecer soluções já existentes nas comunidades. O mundo está gradualmente sendo mais capaz de entender sobre soluções baseadas na natureza que são praticadas há séculos por povos indígenas e povos tradicionais. Nas comunidades, já existem técnicas de economia de água, e relacionamentos de valorização da água. Os jovens acreditam que é necessário um balanço entre investimentos em startups e desenvolvimento tecnológico, com investimentos em fortalecimento comunitário e de grupos tradicionalmente marginalizados para que possamos alcançar as metas propostas pelo SDG6.

Os jovens acreditam que a participação e a inclusão daqueles mais afetados pelas crises hídricas é essencial para trazer as soluções necessárias para superar o atraso no cumprimento da OSD 6 e para enfrentar os desafios do século XXI. Para isso, será necessário agir com ousadia, determinação e inclusão, para que a Conferência da ONU sobre a Água de 2023 seja histórica, não apenas pelo seu momento – a primeira em mais de quarenta anos – mas sobretudo pelas suas conquistas.


[1] Paulo Massato Yoshimoto, engenheiro e administrador especialista em saneamento básico e ambiental, atuando há mais de 45 anos no setor.

[2] Shinji Carvalho, Bertha Fellow, Analista de Programas, líder de Advocacy do Parlamento Jovem Mundial da Água, Mestre em Estudos de Desenvolvimento pelo Graduate Institute de Genebra.

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