Tecnologia e inovação em época de pandemia

Historiadores, filósofos, grandes pensadores classificam o recém findado século XX como o mais cruel e violento da humanidade e, ao mesmo tempo, o mais extraordinário de avanço da ciência.

Eric Hobsbawn, historiador, classificou, dentre as diversas tecnologias revolucionárias do século XX as que provocaram “(…)consequências políticas mais impressionantes talvez tenha sido a revolução nos transportes e nas comunicações, que praticamente anulou o tempo e a distância.“

Rodovias modernas, trens de alta velocidade, aviões supersônicos e a massificação dos computadores, da tecnologia da informação e áreas urbanas de alta densidade populacional, deixaram o “planeta Terra menor” e vistos como progresso da humanidade, apesar da guerra contra o meio ambiente e a piora na distribuição de renda. Este cenário também contribui para o mundo globalizado mais vulnerável a pandemias com a possibilidade de patógenos se disseminarem rapidamente como foi e está sendo o do Covid 19. Graças a tecnologia foi possível o compartilhamento da descoberta do agente causador da covid, e rapidamente Governos, Universidades, Centros de Pesquisas, Indústrias farmacêuticas se uniram para o desenvolvimento de tecnologias de combate ao vírus Sars CoV-2.

Em meados do século XX, ainda sem as vacinas, a tecnologia prevalente era que as mães levassem seus filhos para visitar crianças com alguma das doenças infantis, por exemplo catapora, para se contaminarem e ficarem imunes, já que a maior letalidade era em pessoas adultas. Os vírus dessas doenças são altamente transmissíveis e os sintomas são de curta duração o que significa que todos os contaminados logo estarão mortos ou recuperados e imunes: de forma simplificada esta é a lógica da “proteção de rebanho” primitiva, das benzedeiras e curandeiras.  Com a evolução da ciência, hoje essas doenças são combatidas com as vacinas que inoculam os patógenos atenuados sem provocar as doenças, mas criam células imunes que em caso de infecção no organismo gera uma resposta imune acelerada, destruindo o invasor antes que a doença apareça.

Pandemias já ocorridas dizimaram milhões de pessoas e uma das mais emblemáticas foi a da gripe espanhola que entre 1918 e 1919 se alastrou pelo mundo todo, em 3 ondas, com estimativas de terem infectados 500 milhões de pessoas e 30 milhões de mortos, por isso chamada de “mãe das pandemias”. No Brasil foram cerca de 35 mil mortos, 30% no Rio de Janeiro, inclusive com o falecimento do presidente eleito Rodrigues Alves. O agente patógeno foi descoberto em 1.930 e a primeira vacina contra a gripe espanhola foi fabricada em 1.944, vinte e cinco anos após a pandemia

Há 100 anos atrás ocorria a gripe espanhola e o tempo para o surgimento da vacina contrasta com o caso da Covid. Quando olhamos para Wuhan, China, em dezembro de 2019 foram identificados clusters de pessoas infectadas por um coronavírus nunca detectado em humanos. Rapidamente a notícia estava em todos os noticiários do mundo. Em 07 de janeiro de 2.020, cientistas chineses isolaram o vírus e 3 dias depois compartilharam internacionalmente os dados do genoma viral Covid -19, ou seja, 10 dias após o diagnóstico dos primeiros infectados. Foi dada a largada para uma corrida da comunidade científica internacional para a produção de uma vacina para combater o vírus Sars-CoV-2, com expectativas pessimistas porque até então a vacina desenvolvida mais rapidamente em toda história foi contra o vírus Ebola que demorou 5 anos para ficar pronta. Em menos de 6 meses, a Organização Mundial da Saúde- OMS, contabilizava 136 vacinas em desenvolvimento e em 09/06/2.020, dez estavam sendo testadas em seres humanos e, paralelamente, já em produção industrial. Somente 6 meses após Wuhan!

Ainda em 23 de janeiro de 2020 os telespectadores do mundo assistiram perplexos e céticos transmissões de Wuhan mostrando uma forma inusitada de combater o vírus da Covid 19, com decreto de lockdown de 76 dias que literalmente isolou Wuhan com paralização de todos os meios de transportes rodoviários, ferroviários e aéreos e proibição de circulação das pessoas, com exceção de uma pessoa por família para compra de alimentos. A população também aderiu maciçamente ao uso de máscaras: tecnologia social difundida para povos ocidentais. Em maio de 2021 a China contabilizou 102.589 pessoas contaminadas e somente 4.846 mortes desde o início da epidemia, propiciando a retomada da economia do país.

Esta inovação não foi compreendida pela maioria dos líderes dos países ocidentais até o epicentro na Itália que em março de 2020 registrou o maior número de casos e mortes pelo Covid e o colapso do sistema hospitalar italiano. Isto sinalizou aos demais países europeus a gravidade da epidemia da Covid que passaram adotar parcialmente as medidas aplicadas em Wuhan, enquanto aguardavam a chegada das vacinas.

Enquanto pessoas insistem na forma de imunização ainda praticadas em meados do século XX, vemos aglomerações sem máscaras na expectativa de pertencerem ao universo dos 80% que serão assintomáticos e adquirirão a imunidade. Se pertencerem ao universo de 20%, com grande possibilidade de morrerem.

A ocorrência de novas pandemias não deve ser descartada.  Por isso, devemos trabalhar para não vivermos em cenários de filmes apocalípticos. Devemos repensar valores, hábitos, padrões de consumo e focar no desenvolvimento de novas tecnologias e inovações que contribuam para a recuperação do meio ambiente e para um mundo menos desigual. E um bom desafio para começar esta nova caminhada pode ser a universalização do saneamento (dispor de água potável e esgotamento é fundamental para a prática do isolamento social, além de fundamental para a prevenção de doenças) e a tão desejada despoluição dos mananciais e dos rios, contribuindo para a melhoria do ambiente urbano e aumento da disponibilidade de água doce.  

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