A hora e a vez das startups no saneamento

Como elas podem ajudar a superar os desafios do setor?
kvalifik-5Q07sS54D0Q-unsplash

Segundo a Associação Brasileira de Startups (Abstartup), startup é uma empresa que nasce a partir de um modelo de negócio ágil e enxuto, capaz de gerar valor para seu cliente resolvendo um problema real, do mundo real. A startup oferece uma solução escalável para o mercado e, para isso, usa a tecnologia como ferramenta principal. No mapeamento por segmento da entidade, os modelos de negócios que aportam as startups vão desde as edtechs (educação), as agtechs (agronegócio), healthtechs (saúde), até as cleantechs ou greentechs (tecnologias limpas), onde encontramos as que são ligadas ao setor de saneamento.

Segundo a Abstartups, em 2021 foram mapeadas 102 cleantechs/greentechs ativas em todo o Brasil, das quais 44% estão em fase de tração e escala. São Paulo é o estado com maior representatividade neste modelo.

Na opinião de Pierre Siqueira, da AESabesp, as greentechs serão protagonistas para a decisão do futuro do Brasil que necessitamos. “É importante buscarmos bons prognósticos, tomadas de decisões e ações para o futuro, no contexto de Agenda Mundial com 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). Devemos nos atentar também na questão de que os prazos estão exíguos, com as metas para 2030; bem como as mudanças climáticas, que afetam economicamente nosso setor com as alterações de regimes hídricos, e exigem que estejamos engajados com a fundamental transição nacional para a economia de baixo carbono”, atenta.

Conforme ele, não adianta mais ter contra-argumentos racionais e contraditórios, uma vez que as políticas públicas induzidas pelos governos e os investimentos privados para a economia de emissões zero afetam o saneamento. “Temos que focar na mitigação destes danos e em nossa infraestrutura com inovações, transparência e governança. Este ambiente gerará muitas oportunidades para startups/greentechs porque a pandemia acelerou o capitalismo mutuamente benéfico das partes interessadas, previsão feita, inclusive, por Larry Fink, CEO da BlackRock Gestora de Ativos”, informa. Pierre complementa que, segundo Fink: “o lucro ainda movimenta o mercado, só que o longo prazo tem equivalência idêntica aos propósitos de sustentabilidade”.

Por isso, ele tem a percepção que as startups envolvidas com redução nas perdas de água, que trabalham na integração digital e trazem inteligência artificial e big data para aumentar a eficiência do resultado, trazem a vantagem de colocar a cultura de tomada de decisão por dados mediante a transformação digital. “Elas pouco desenvolvem de eficiência operacional para renovação de infraestrutura, que possuem o potencial de trazer ganhos econômicos reais para as companhias e a sociedade”, opina.

Em relação a tratamento de esgotos, Pierre diz que acompanha algumas startups com tratamentos biológicos como alternativa para remoção de poluentes. “Parecem alternativas locais, baratas, excelentes, no entanto, a mudança operacional dificulta a incorporação das tecnologias nas operações de tratamento convencionais de esgotos”, avalia.

Ele enfatiza que os processos e hard techs desse tipo são fundamentais, só que o avanço rápido e exponencial está na aquisição colaborativa de soft e digital techs em áreas com características corporativas e financeiras dentro da empresa. “Há diversas fintechs ou startups de dados massivos, como exemplo, com potencial de trazer saltos de produtividade nas companhias, e há pouca interface; não pegamos carona com estes ecossistemas mais evoluídos e está distante incorporar essas inovações potenciais em nossas atividades econômicas”, provoca Pierre, destacando que esses desafios são oportunidades para o desenvolvimento da inovação no saneamento. 

Cooperação para a inovação no saneamento

No que se refere às startups no setor de saneamento, a GIZ também desenvolve trabalho de cooperação no Brasil. Hélinah afirma que as startups instigam a busca de soluções para os desafios do saneamento. “Já tivemos iniciativas com elas no âmbito do projeto ProEESA, e estamos realizando um edital específico para atrair ideias no tema de hidrogênio verde no Brasil como parte das atividades do H2 Brasil, o mais novo projeto da GIZ no Brasil”, comunica.

O trabalho das startups em parceria com as empresas privadas é muito positivo, segundo Eder Campos, da Iguá Saneamento. Ele informa que o caminho de sucesso está exatamente no conceito de inovação aberta e de co-criação. “O modelo de inovação fechada restringe as possibilidades e é adequado somente em setores específicos de segredos industriais. O saneamento até por sua característica de serviço público regulado, precisa ser transparente e cada vez mais colaborativo. É um serviço essencial e deveria atrair cada vez mais olhares de empreendedores para essa agenda. O futuro que se faz cada vez mais presente envolve startups desafiando as indústrias em formas alternativas de fazer, de operar, de prestar serviços. Desafios colaborativos, que tornam os desafiados cada vez mais eficientes, melhores”, considera.

Dessa forma, incentivar a cultura da inovação no setor de saneamento através das startups é um caminho sem volta na visão do executivo, “As startups são essenciais para levar o saneamento para a fronteira de outras indústrias em todas as atividades não específicas. Por exemplo, melhorias na forma de arrecadar são desafios de fintechs cada vez mais acelerados. Para bancos a fronteira muda rápido. Para o saneamento, levar esse processo de arrecadação para a fronteira exige o apoio das startups de modo a solucionar com baixo custo esses desafios que já ganham com a alta escala de outras indústrias. Podemos e devemos melhorar a experiência do cliente copiando com as startups soluções já escaladas em outras indústrias. Acredito também que as startups ajudarão cada vez mais o setor nos desafios de core business, tratamento de água e esgoto, distribuição e medição de água, mas isso exige maior tempo e maturação do ecossistema”, reflete Campos.

Visando o futuro para ser uma empresa com soluções completas para o saneamento, a Saint-Gobain Canalização tem investido em parcerias para o setor de serviços de tecnologia, por meio da área de qualidade e técnica com aplicação de ferramentas da indústria 4.0. Segundo Fernando Puell, atualmente são três parceiros: Pipers, uma startup canadense que produz esferas que passam pela tubulação e conseguem detectar – de forma preditiva – potenciais vazamento, ar aprisionado, areia acumulada e garantir a excelência da manutenção dos pipelines; Memória magnética, de sensores que detectam áreas vulneráveis nas tubulações, próximas a ocorrer uma ruptura, por exemplo; e a IBBX, uma startup que tem sensores que aproveitam a vibração do local, ou ondas eletromagnéticas para gerar energia e fazer o sensor funcionar. “A empresa ainda investe em inovações, como o Filtralite, para garantir novas formas de promover o processo de filtragem da água com qualidade”, informa.

Adaptação das culturas para solucionar as demandas do saneamento

Luciana Parente, do Grupo Águas do Brasil, destaca como fundamental a parceria com as startups para a evolução da cultura das empresas tradicionais. “As empresas aprendem agilidade, novas ideias, mentalidade empreendedora e as startups se beneficiam dos recursos e das experiências das companhias”, comenta. Ela salienta que as empresas do setor de saneamento costumam ser bem tradicionais e a relação com startups, além de ajudar a resolver antigos problemas de formas diferentes, contribui também para a adaptação da cultura.

A Sabesp é exemplo de empresa pública que tem diversas ações com startups. De acordo com Fabiana Rorato, primeiramente a companhia apresenta as principais demandas para que as startups entendam o que ela precisa. “Fomentamos, também, com mentoria e apoio com nossa infraestrutura para o desenvolvimento e testes de tecnologias. Acabamos de incluir diversos mecanismos no RILC (Regulamento Interno de Licitações e Contratações) atendendo o novo Marco das Startups. E lançaremos, neste mês de junho, a Primeira chamada do PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) Fapesp-Sabesp, que proporcionará recursos para startups para o desenvolvimento de soluções demandadas pela Sabesp”, informa.

Para Fabiana, é de extrema importância para a Sabesp incentivar os trabalhos das startups de diversas formas. “As startups têm uma estrutura organizacional mais enxuta, em geral com pessoas altamente qualificadas, ou seja, mais dedicadas em pesquisa e desenvolvimento que potencializem decisões e execuções de cunho inovador focado nas demandas do setor do saneamento”, salienta.

Para Fuad Moura Guimarães Braga, da Caesb, a relação entre startups e o setor público é importante e deve ser cada vez mais fomentada. Nesse sentido, ele concorda que o novo Marco Legal das Startups deve contribuir para que essa parceria ocorra com maior frequência. Em 2018, ele conta que a Caesb teve a oportunidade de fazer um trabalho em escala piloto para Redução de Perdas Físicas de Água com o uso de Inteligência Artificial, executado em parceria com uma startup brasileira, e com o BID. “Utilizou-se uma haste de escuta eletrônica (denominado de Fluid) desenvolvido pela startup Stattus4. O projeto foi selecionado pelo BID para ser apresentado como caso de sucesso, executado no Brasil, em encontro anual entre mutuários de banco de diversos países do mundo”, lembra. 

Atualmente, Braga informa que a empresa está trabalhando em parceria com a startup SERA Games para desenvolvimento de um jogo digital para conscientização da população sobre a importância da proteção e preservação das Áreas de Proteção de Mananciais (APMs). “A parceria surgiu do Programa DF Inovador, promovido pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), que visa promover ações estruturantes voltadas para a inovação e a transformação digital de empresas e organizações do Distrito Federal”, anuncia. Braga acredita que a inovação aberta traz grandes benefícios à empresa, pois permite unir forças para o desenvolvimento de soluções criativas e em tempo reduzido, além de fortalecer o ecossistema de inovação local. 

Recursos para incentivar o trabalho das startups

A Sanepar conduziu, em 2021, uma parceria com a Fundação Parque Tecnológico Itaipu – Brasil (PTI-BR), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Paraná (Sebrae-PR) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o desenvolvimento de ações conjuntas na área de inovação aberta, notadamente para a aproximação com startups. Ainda neste ano, Gustavo Posseti informa que houve o lançamento do Programa de Inovação Aberta no Setor de Saneamento Ambiental – Sanepar Startups. “O Programa visa prospectar soluções sustentáveis e inovadoras para desafios inerentes ao setor de saneamento ambiental, bem como fortalecer o empreendedorismo nacional e o ecossistema de inovação voltado ao saneamento ambiental”, ressalta. 

De acordo com Posseti, o primeiro edital do Sanepar Startups foi lançado no dia 5 de outubro de 2021. A parceria prevê a abertura de dois editais para seleção de startups, envolvendo recursos de 1,5 milhão de reais (2 editais de R$ 750 mil  cada). “Desafios inerentes ao setor de saneamento ambiental são levantados por profissionais da Sanepar, em parceria com o PTI-BR, a FINEP, o Sebrae-PR e o BID. Na sequência, um edital contendo os temas/desafios priorizados é aberto e empresas podem submeter propostas a serem avaliadas por especialistas”, explica. 

O processo de seleção das propostas é realizado em três etapas. Posseti conta que na primeira, são avaliadas propostas com base em quatro critérios: aderência da inovação ao desafio; viabilidade; mercado e capacidade da equipe. A segunda etapa, de pré-aceleração, consiste na orientação especializada, suporte e acompanhamento de um total de 15 empresas que obtiveram melhor classificação na fase anterior. Por fim, a terceira e última etapa (Pitch Day), vai exigir a exposição de uma apresentação produzida ao longo da pré-aceleração. “Ao final desse processo, poderão ser selecionadas até cinco empresas, podendo ser uma ou, no máximo duas, por tema de desafio. Cada empresa poderá solicitar recursos financeiros de, no mínimo, R$ 100 mil e, no máximo, R$ 150 mil para testes e homologação das soluções”, destaca. Por ocasião do desenvolvimento do trabalho, Posseti informa que as startups terão acesso à infraestrutura da Sanepar e PTI-BR, além de conexões com a rede de relacionamento dos parceiros envolvidos no Programa. “As empresas podem executar suas PoCs no prazo de um ano”, atenta.

Ele destaca ainda que na 6ª edição do Ranking 100 Open Startups, 3.334 médias e grandes empresas tiveram relacionamento de Open Innovation com 2.344 startups. A Sanepar ficou entre as cinco melhores corporações na categoria Saneamento 2021.

No PTI-BR, Rodrigo Galvão, informa que começaram a trabalhar entre 2019 e 2020 na estruturação do empreendedorismo ligado às startups. “Finalizamos 2020 com 16 startups, e no final de 2021 tivemos mais de 50 startups na incubadora. Essas empresas, que faturavam no total R$ 4 milhões, hoje estão faturando quase R$ 40 milhões. Das empresas que participaram dos nossos programas de aceleração, de incubação, sete já sofreram novos investimentos externos, dessas sete uma já está se preparando para ir para série A e trabalhar seu processo de internacionalização, em dois anos. Esses resultados mostram que as ações que desenvolvemos em prol das startups tiveram um retorno fantástico”, comenta.

Entre os inúmeros exemplos, Galvão destaca o case da STAC, iniciativa que nasceu na região de Foz, foi incubada no PTI desde o início, com soluções tecnológicas para a avicultura. “O desenvolvimento da solução tecnológica e da empresa foi suportada pela Incubadora, e hoje já têm contrato fechado para instalação da solução em 10 aviários de cinco propriedades. Se aprovada a solução, ela deve ser instalada em 150 aviários de corte”, informa.

Outro caso interessante que ele destaca é o da Bittur, solução acelerada pela Incubadora que consiste em um mercado autônomo, sem atendentes, funcionando 24 horas por dia. “A Bittur iniciou o ano com cinco postos de trabalho, finalizou com 21; o faturamento cresceu em mais de 600% durante o ano”, informa.

Com esses dados, Galvão confirma que o incentivo às startups traz bons resultados. “Os números mostram que houve crescimento de empregos, de faturamento, de receita para o município e de ganhos diretos para a sociedade”, comemora.

Na área de saneamento, ele destaca que o programa Sanepar Startups está em andamento, com uma verba de R$1,5 milhões que estão sendo investidos em 10 startups selecionadas para o desenvolvimento de soluções inovadoras. “A primeira fase do Edital já selecionou cinco startups que estão em fase de contratação, e no segundo semestre lançaremos o segundo edital para contratação de mais cinco startups”, menciona.