Metodologias Inovadoras para Capacitação em Saneamento e Meio Ambiente: a implementação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020 para pequenos e médios municípios

Introdução

A implementação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) impõe metas ambiciosas para os municípios brasileiros até 2033. Essa lei estabeleceu que, até esse ano, 99% da população tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto. Alcançar essas metas exige não apenas investimentos em infraestrutura, mas também o fortalecimento das capacidades técnicas e gerenciais nos municípios. Técnicos e gestores públicos precisam estar preparados para planejar, executar e monitorar projetos de saneamento básico, licenciamento ambiental e infraestrutura urbana alinhados a essas diretrizes. Nesse contexto, metodologias pedagógicas inovadoras despontam como essenciais para uma aprendizagem significativa e para promover mudanças reais na gestão municipal.

Nos próximos tópicos, serão apresentadas abordagens educacionais modernas focadas na capacitação de servidores públicos, priorizando aprendizagem ativa, protagonismo dos participantes, gamificação, estudos de caso e conexão com indicadores de desempenho. Também são incluídos exemplos práticos (nacionais e internacionais), estratégias de avaliação de impacto e modelos de aplicação adaptáveis à realidade de pequenos e médios municípios brasileiros, com vistas a orientar a aplicação destas metodologias em cursos a serem promovidos por órgãos ligados a este tema de saneamento e meio ambiente.

Contexto e Desafios da Capacitação no Marco do Saneamento

A Lei 14.026/2020 atualizou o marco regulatório do saneamento básico, visando universalizar os serviços no país até 2033. Isso implica que, nos próximos anos, os municípios deverão acelerar projetos de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana. Pequenos e médios municípios enfrentam desafios particulares: em muitos casos carecem de pessoal capacitado, recursos financeiros limitados e sofrem com alta rotatividade de técnicos qualificados. Além disso, é crucial que os gestores compreendam e implementem as normas de referência editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), incluindo o uso de indicadores de desempenho para acompanhar a universalização dos serviços.

Diante disso, a capacitação de servidores municipais torna-se uma estratégia-chave. Ela precisa ir além de treinamentos tradicionais e transmissivos, adotando metodologias que engajem ativamente os participantes e se conectem à realidade local. O objetivo é que o aprendizado não fique restrito ao curso, mas se traduza em mudanças de comportamento e resultados concretos na administração municipal. Conforme estudos na área de gestão pública, uma capacitação bem desenhada pode ter impacto positivo significativo no trabalho diário dos servidores, desde que haja também apoio institucional para aplicar os novos conhecimentos. Assim, escolher abordagens pedagógicas inovadoras é fundamental para que a formação resulte em melhoria efetiva dos serviços públicos de saneamento e meio ambiente.

Metodologias Pedagógicas Inovadoras

Aprendizagem Significativa e Protagonismo do Participante

Uma das premissas para capacitação eficaz de adultos é a aprendizagem significativa – isto é, conectar o conteúdo a experiências prévias e problemas reais enfrentados pelos participantes. Diferentemente da memorização mecânica, essa abordagem integra novos conhecimentos ao repertório prévio do aluno, formando conexões relevantes com situações de seu dia a dia​. Características como relevância pessoal, construção ativa do entendimento, aplicação prática e reflexão crítica são centrais nesse processo​. Na prática, isso significa que os cursos devem partir dos desafios concretos que técnicos e gestores já vivenciam (por exemplo, dificuldades no licenciamento de um aterro sanitário ou na elaboração de um plano de saneamento) para introduzir teorias e ferramentas. Dessa forma, o aprendizado ganha significado imediato e aumenta a motivação para aplicá-lo no município.

Para viabilizar a aprendizagem significativa, é importante promover o protagonismo dos participantes. Metodologias ativas como Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem-Based Learning) e Projetos Aplicados colocam os alunos no centro: eles trabalham em grupos para resolver casos ou elaborar projetos que espelham demandas reais. O papel do instrutor torna-se o de facilitador, oferecendo tutoria e recursos, enquanto os técnicos/gestores elaboram soluções. Essa postura ativa desenvolve competências como pensamento crítico, tomada de decisão e colaboração. Experiências educacionais mostram que abordagens centradas no estudante potencializam o desenvolvimento de novas competências e o protagonismo, em contraste com aulas expositivas tradicionais​. Em síntese, ao desenhar uma capacitação, o/a instrutor(a) deve criar oportunidades para que os alunos questionem, proponham e experimentem soluções, tornando-se agentes do próprio aprendizado.

Gamificação no Treinamento Profissional

A gamificação consiste em aplicar elementos de jogos (pontos, desafios, recompensas, competição saudável, narrativas) em contextos de aprendizagem, com o objetivo de aumentar o engajamento e a motivação. Embora relativamente recente no setor público – pesquisas práticas surgiram por volta de 2011 – já há evidências de que, quando bem estruturada, a gamificação pode ser uma ótima ferramenta de motivação dos participantes​. No contexto de capacitação de gestores públicos, gamificar algumas atividades pode torná-las mais envolventes. Por exemplo, pode-se criar um “jogo de simulação” onde os alunos assumem papéis de gestores de um município fictício, tomando decisões sobre investimentos em saneamento e enfrentando eventos (como secas ou fiscalização ambiental). Eles poderiam ganhar pontos conforme selecionam soluções adequadas (p.ex., aumentar índice de cobertura de esgoto, reduzir perdas de água) e comparar resultados ao final, conectando as decisões com indicadores de desempenho reais.

Outro recurso é a concessão de badges (insígnias) ou certificados por conquistas no curso – por exemplo, uma insígnia para quem elaborar um plano de ação municipal durante a capacitação. Essas mecânicas lúdicas atendem à necessidade adulta de reconhecimento e desafio. Importante destacar que a gamificação deve focar em metas pedagógicas claras, evitando virar apenas competição sem conteúdo. Bem aplicada, ela pode criar um ambiente de aprendizagem onde erros são vistos como feedback e os participantes se sentem motivados a progredir. Uma referência interessante é a plataforma Carrot Rewards do governo do Canadá, que gamificou hábitos saudáveis e rapidamente alcançou mais de meio milhão de usuários ativos, demonstrando aumento de 20% em certos comportamentos positivos​ – uma indicação do poder de estratégias lúdicas aplicadas a políticas públicas.

Estudo de Caso como Método de Ensino

O método do estudo de caso é uma metodologia ativa consagrada, amplamente utilizada em escolas de governo e negócios, por sua efetividade em aproximar a teoria da prática. Consiste em apresentar aos participantes situações reais ou verossímeis, narradas em forma de caso, para que analisem e proponham soluções em grupo. Essa abordagem se mostra poderosa para desenvolver competências de resolução de problemas, tomada de decisão, argumentação e trabalho em equipe, uma vez que coloca o estudante diante de dilemas concretos semelhantes aos que enfrentará no ambiente de trabalho​. Diferente de um exercício teórico, o caso não costuma ter uma única resposta correta; os participantes precisam discutir alternativas, avaliar dados e consequências, exercitando também a tolerância a ambiguidades.

Ao trabalhar com estudos de caso, o engajamento aumenta pois os alunos veem relevância imediata nos conceitos debatidos. Um bom caso em temas de saneamento/ambiental poderia ser, por exemplo, o relato de como um município X conseguiu cumprir as metas de redução de perdas de água, ou como a cidade Y estruturou a concessão de serviços de lixo após a Lei 14.026. Os participantes, divididos em pequenos grupos, discutiriam perguntas guiadas: Quais foram os fatores de sucesso? Que barreiras enfrentaram? O que poderia ser replicado em seu município? Essa dinâmica promove interação colaborativa, autonomia e metacognição, especialmente se conduzida apropriadamente pelo facilitador​. Ao final, uma plenária permite consolidar aprendizados, confrontando as propostas dos grupos com o que de fato ocorreu no caso real, e extraindo lições gerais. O/A instrutor(a) pode buscar casos nacionais (por exemplo, estudos do Instituto Trata Brasil, casos documentados pela Assemae ou ABES) ou mesmo internacionais traduzidos, adaptando-os ao contexto local. O importante é que o caso esteja alinhado aos objetivos de aprendizagem e desafie os gestores a aplicar conhecimento teórico na solução de problemas práticos.

Conexão com Indicadores de Desempenho

Para que a capacitação resulte em mudanças reais nos municípios, é crucial amarrar o aprendizado a indicadores de desempenho concretos. Ou seja, os cursos devem explicitar como as ações dos gestores impactam métricas mensuráveis – sejam indicadores operacionais (cobertura de água, índice de perda, tempo de licenciamento) ou indicadores de resultado (melhoria na saúde pública, satisfação dos usuários, etc.). A Lei 14.026/2020, por meio das normas de referência da ANA, trouxe a centralidade dos indicadores no saneamento básico, definindo parâmetros para universalização​. Assim, uma capacitação focada nessa agenda deve ensinar quais são esses indicadores-chave e como monitorá-los e interpretá-los.

Do ponto de vista pedagógico, a aprendizagem baseada em dados pode ser muito significativa. Por exemplo, ao discutir licenciamento ambiental, pode-se apresentar indicadores de tempo médio de análise de processos e propor aos alunos que identifiquem causas de demora e formas de melhorar. Ou em infraestrutura urbana, analisar indicadores de pavimentação, drenagem ou emissões de CO₂ de frotas municipais antes e depois de certo projeto. Ferramentas simples de visualização de dados e exercícios práticos de cálculo de indicadores tornam o conteúdo tangível. Além disso, incentivar que cada participante elabore um plano de ação com metas e indicadores para seu município (por exemplo, “aumentar para 95% a cobertura de água até 2025” ou “reduzir em X% o tempo de licenciamento de obras”) favorece a transferência do aprendizado para a realidade. Essa conexão com indicadores também facilita a avaliação de impacto pós-capacitação, pois permite verificar, algum tempo depois, se houve evolução nas métricas nos municípios cujos técnicos foram treinados.

Exemplos Aplicados e Casos de Sucesso

Experiências Nacionais

No Brasil, algumas iniciativas recentes ilustram a aplicação bem-sucedida dessas metodologias em capacitações públicas. O projeto “Liderando para o Desenvolvimento”, realizado pelo CONSAD e a Enap em 2021, é um exemplo de curso para altos executivos públicos que utilizou metodologias ativas, fomentando a troca de experiências entre os participantes​. Nele, secretários estaduais participaram de aulas interativas (via plataforma online) focadas em desafios reais de gestão, evidenciando que mesmo capacitações a distância podem adotar dinâmicas participativas e colaborativas. A carga horária distribuída em sessões síncronas curtas (20 horas no total) e a presença de instrutores experientes contribuíram para o engajamento e aplicação prática.

Outra experiência relevante vem da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (MG), que incorporou projetos aplicados e design thinking na formação de alunos em Administração Pública, em parceria com órgãos estaduais. Nesse caso, equipes de estudantes trabalharam em demandas reais do Governo de Minas Gerais (como melhorar serviços de atendimento ao cidadão), desenvolvendo propostas implementáveis. O resultado foi que as soluções propostas pelos alunos foram de fato incorporadas nos serviços prestados pelo governo estadual, mostrando o poder de alinhar ensino e prática​. Essa experiência indica que, quando os participantes se debruçam sobre problemas concretos durante a capacitação, geram produtos de valor imediato, e também internalizam melhor as competências, sentindo-se protagonistas das mudanças.

No campo específico do saneamento básico, destacam-se as iniciativas do Programa Nacional de Capacitação das Cidades – “Capacidades” do Ministério das Cidades. Esse programa promove uma variedade de ações formativas – cursos presenciais e EAD, grupos formais de estudo, oficinas e intercâmbios técnicos – voltadas ao desenvolvimento urbano sustentável​. Por exemplo, foram oferecidos cursos online sobre o novo marco legal e oficinas regionais sobre elaboração de planos municipais de saneamento. O uso de plataformas virtuais permitiu alcançar servidores de municípios pequenos em todo o país, enquanto as oficinas presenciais estimularam a resolução colaborativa de problemas locais. O Portal Capacidades disponibiliza materiais técnicos e estudos de caso, criando uma comunidade de aprendizagem contínua​. A experiência deste programa reforça a importância de combinar diferentes metodologias e formatos (blended learning) para maximizar alcance e eficácia – algo especialmente útil em temas transversais como saneamento e meio ambiente.

Ainda no contexto nacional, organizações setoriais como a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE) têm realizado capacitações com elementos inovadores. A ABES, por exemplo, promove cursos de curta duração com study cases e simulações sobre regulação e parceria público-privada em saneamento. Já a ASSEMAE, em seus congressos técnicos, frequentemente inclui oficinas práticas onde gestores trocam experiências sobre indicadores de desempenho e visitam projetos-modelo. Tais exemplos nacionais demonstram que há um movimento em direção a capacitações mais práticas e centradas no aluno, alinhadas às demandas do novo marco legal.

Exemplos Internacionais

No cenário internacional, experiências de diversos países podem servir de inspiração para metodologias eficazes. A ONG WaterAid documentou casos de sucesso em pequenas cidades de países em desenvolvimento que obtiveram melhorias concretas em saneamento por meio de capacitação e engajamento local​. Em Sakhipur, Bangladesh, por exemplo, um projeto de longa duração combinou treinamento técnico às autoridades municipais e conscientização da comunidade, resultando na instalação de uma planta de co-compostagem e melhorias em toda a cadeia de saneamento​. Isso mostra a importância de envolver os diversos atores (gestores e cidadãos) e manter um acompanhamento continuado – uma forma de aprendizagem ativa na prática, onde os técnicos locais aprendem fazendo, com suporte de especialistas.

Outro caso vem de 20 pequenas localidades na Etiópia, onde foi implementada uma iniciativa de fomento de capacidades junto aos serviços públicos municipais de água e esgoto​. O enfoque lá foi ajudar as equipes locais a “fazer uma pausa” e reavaliar opções de saneamento, através de workshops participativos e consultorias. Esse processo levou os gestores a desenvolver planos de saneamento mais robustos e adaptados às condições de cada localidade, demonstrando o valor de metodologias reflexivas e de mentoria. Ou seja, em vez de treinamentos pontuais, houve um acompanhamento orientado que permitiu aprendizado incremental e aplicação direta, com resultados perceptíveis na melhoria dos planos.

Na cidade de Babati, na Tanzânia, adotou-se uma abordagem de pesquisa-ação participativa: autoridades municipais e moradores trabalharam juntos, em sessões facilitadas, para criar um plano integrado de saneamento e higiene​. Essa experiência funcionou como um grande estudo de caso vivo, onde os gestores foram simultaneamente aprendizes e agentes de mudança. O processo contou com coleta de dados local, identificação de problemas pelos próprios participantes e elaboração colaborativa de soluções – todos elementos que reforçam a aprendizagem significativa. Além do produto final (o plano municipal), o ganho está no fortalecimento das capacidades dos gestores em conduzir processos participativos e em conectar políticas públicas a indicadores sociais (no caso, indicadores de saúde e acesso a saneamento).

De iniciativas internacionais pode-se extrair alguns fatores de sucesso comuns: suporte técnico de qualidade (mentoria por especialistas externos), fomento do protagonismo local (identificação de “campeões” que lideram a causa internamente) e métodos variados de apoio (combinar treinamento formal com acompanhamento prático)​. Essas lições são plenamente aplicáveis ao contexto brasileiro – por exemplo, pequenos municípios podem se beneficiar de parcerias com universidades ou agências para fornecer mentoria técnica, aliada a capacitações formais. Assim, ampliam-se as chances de que o conhecimento gerado se converta em projetos concretos que ajudem a cumprir as metas de universalização até 2033.

Estratégias de Avaliação de Impacto

Avaliar o impacto de uma capacitação é tão importante quanto realizar o treinamento em si, pois é o que permite verificar se houve mudança efetiva de desempenho dos participantes e das organizações. Para isso, algumas estratégias e modelos são recomendados:

  • Modelo de Kirkpatrick: um referencial clássico de avaliação em quatro níveis – (1) Reação dos participantes (satisfação com o curso), (2) Aprendizagem (conhecimento ou habilidades adquiridas, medidos em provas ou exercícios), (3) Comportamento (mudança na atuação do servidor no trabalho) e (4) Resultados (impactos organizacionais ou nos indicadores de desempenho). No contexto municipal, após alguns meses da capacitação, pode-se verificar se o gestor aplicou alguma ação aprendida (nível 3) e se isso refletiu, por exemplo, em melhoria de indicador de cobertura ou redução de prazos (nível 4).
  • Avaliação antes/depois com indicadores: estabelecer uma linha de base antes do curso – por exemplo, qual o percentual de projetos de saneamento do município aprovados em prazo adequado, ou quantos planos estão atualizados – e depois acompanhar esses números em intervalos regulares. Essa monitorização deve considerar também fatores externos, mas se bem desenhada, pode atribuir em parte à capacitação as melhorias observadas. Ferramentas de survey com perguntas de autoavaliação também ajudam a captar a percepção dos participantes sobre mudanças em sua atuação.
  • Estudos de caso de impacto: selecionar alguns municípios cujos gestores participaram do treinamento e fazer um estudo aprofundado do que aconteceu depois. Por exemplo, documentar que em certa prefeitura, após a capacitação, foi implantado um novo sistema de monitoramento de perdas de água ou acelerado o licenciamento ambiental de empreendimentos, citando evidências quantitativas. Esses relatos servem de feedback para os organizadores e de incentivo para futuros participantes.

Um ponto crítico apontado na literatura é garantir suporte pós-treinamento para maximizar o impacto​. Ou seja, os gestores precisam ter condições de aplicar o que aprenderam: apoio dos superiores, recursos mínimos e eventualmente consultoria técnica continuada. No caso de Manaus, citado anteriormente, identificou-se que a capacitação gerou forte impacto positivo nas atividades dos servidores, mas que seria necessário um melhor suporte das chefias para pleno aproveitamento das novas habilidades​. Assim, uma estratégia de avaliação deve também captar esses obstáculos – por exemplo, indagando se o participante conseguiu implementar mudanças ou se enfrentou barreiras institucionais. Com essas informações, pode-se ajustar os programas futuros (envolvendo também os superiores hierárquicos no processo de capacitação, por exemplo).

Adaptabilidade para Pequenos e Médios Municípios

Para que metodologias inovadoras de capacitação funcionem em pequenos e médios municípios, é necessário adaptá-las ao contexto de recursos limitados e características locais. Algumas recomendações de modelo adaptativo incluem:

  • Formato híbrido e modular: Municípios menores muitas vezes não podem liberar servidores por longos períodos para treinamento presencial. Assim, combinar módulos EAD assíncronos (que o participante faz em seu ritmo) com encontros síncronos virtuais e, se possível, um encontro presencial regional pode viabilizar a participação. A plataforma virtual pode ser usada para conteúdos teóricos, quizzes gamificados e fóruns de discussão, enquanto os encontros ao vivo focam em dinâmicas de grupo, estudo de caso e projeto aplicado. Esse formato modular e flexível tem maior adesão e pode cobrir um grande número de cidades simultaneamente.
  • Linguagem e exemplos contextualizados: É importante usar linguagem acessível e exemplos condizentes com a realidade de municípios de menor porte. Por exemplo, ao tratar de PPPs em saneamento, trazer o caso de uma cidade de 50 mil habitantes (em vez de só capitais) ou, em licenciamento ambiental, abordar situações comuns como licenciar um aterro de pequeno porte ou uma estrada vicinal. Isso torna a aprendizagem mais significativa para o público-alvo. Se materiais internacionais forem utilizados, convém traduzi-los e ajustá-los culturalmente.
  • Aprendizagem entre pares (peer learning): Estimular a criação de redes de troca entre gestores de diferentes municípios. Durante a capacitação, podem-se formar grupos por região ou por interesse, que discutam desafios comuns e mantenham contato após o curso. Essa comunidade de prática serve para suporte mútuo e continuidade do aprendizado. Por exemplo, técnicos de vários municípios vizinhos podem criar um grupo de mensagem para discutir dúvidas na implementação de planos de saneamento. O programa Capacidades do governo federal já incentiva algo nesse sentido, promovendo intercâmbios e redes temáticas​.
  • Metodologias de baixo custo: Garantir que as dinâmicas não dependam de recursos sofisticados. A gamificação, por exemplo, pode ser feita com planilhas simples ou mesmo de forma analógica (cartões, tabuleiros) se não houver acesso a computadores. Estudos de caso podem ser impressos em texto para quem não tem boa conexão. Ou seja, a falta de tecnologia de ponta não deve impedir a adoção de métodos ativos – é possível inovar com criatividade e recursos simples.
  • Formação de multiplicadores locais: Uma estratégia eficaz em pequenas localidades é o modelo train the trainer. Identificar, durante o curso, participantes com perfil de liderança e capacitá-los para que se tornem multiplicadores em suas regiões. Esses multiplicadores podem posteriormente conduzir oficinas in loco com demais colegas do município, reforçando o conteúdo aprendido e adaptando às especificidades locais. Esse efeito multiplicador amplia o alcance e cria uma cultura de aprendizado contínuo na instituição.

Em resumo, adaptar significa manter a essência das metodologias ativas – engajamento, prática, relevância – mas ajustando a forma de entrega e os exemplos ao contexto dos municípios menores. Com essa sensibilidade, as abordagens inovadoras discutidas podem beneficiar não apenas grandes centros, mas também as cidades pequenas que mais precisam acelerar seu desenvolvimento institucional até 2033.

Conclusão

A busca por capacitações inovadoras e eficazes para técnicos e gestores públicos em saneamento, meio ambiente e infraestrutura urbana é hoje uma prioridade estratégica para o Brasil cumprir as metas do Marco Legal do Saneamento. Metodologias como aprendizagem significativa, protagonismo do aluno, gamificação e estudo de caso representam uma evolução necessária em relação aos treinamentos tradicionais, pois colocam o participante no centro do processo e conectam o conhecimento à prática de forma direta. Ao mesmo tempo, vincular o aprendizado a indicadores de desempenho assegura foco em resultados concretos, convertendo conhecimento em melhoria de serviços.

Os exemplos apresentados mostram que tais abordagens já estão dando resultados, seja em programas nacionais como o Capacidades (Ministério das Cidades) ou em projetos internacionais da WaterAid, entre outros. A avaliação sistemática de impacto reforça a evidência de que capacitações bem desenhadas contribuem para mudanças reais – mas também alerta que é preciso apoio institucional para que o novo conhecimento floresça no ambiente de trabalho​.

Para os instrutores e/ou equipes educativas, as lições deste relatório sugerem um desenho de curso bastante dinâmico e aplicado. Recomenda-se estruturar o treinamento em torno de desafios reais dos municípios, usar jogos ou simulações para engajar, trazer casos brasileiros e internacionais como material de discussão e garantir que cada participante saia com um plano de ação mensurável para seu contexto. Assim, o aprendizado será não apenas teórico, mas algo vivo, continuado e multiplicador. Em última instância, o objetivo maior é que esses gestores capacitados se tornem agentes de transformação em suas cidades, liderando iniciativas que, de forma coletiva, levarão o Brasil a atingir em 2033 a tão almejada universalização do saneamento básico​.

Referências Bibliográficas

  • Brasil. Lei Federal nº 14.026/2020 – atualiza o marco legal do saneamento básico. Brasília, 2020.
  • Instituto Trata Brasil. Guia do Saneamento – resumo do novo marco legal e indicadores de saneamento​tratabrasil.org.br.
  • Life Saneamento. Veja o que muda no novo marco legal do saneamento – Blog, 2021​lifesaneamento.com.br.
  • WaterAid (Rémi Kaupp). Saneamiento en ciudades pequeñas: lecciones de tres proyectos exitosos. Blog WASH Matters, 15 set. 2020​washmatters.wateraid.orgwashmatters.wateraid.org.
  • CONSAD/Enap. Projeto “Liderando para o Desenvolvimento” – Notícia Consad, 19 abr. 2021​consad.org.br.
  • Durães, G. M. et al. Aliando prática e ensino: metodologias ativas na Escola de Governo de MGRevista do Serviço Público, v.73, p.77-99, 2022​repositorio.enap.gov.br.
  • Enap. Gamificação Aplicada à Transformação Digital na Adm. Pública – Conteúdo de curso, 2021​repositorio.enap.gov.br.
  • Khan Academy. Aprendizagem significativa: o que é e qual sua importância. Blog Khan Academy, 29 set. 2023​blog.khanacademy.orgblog.khanacademy.org.
  • Spricigo, C. B. Estudo de caso como abordagem de ensino. PUCPR, 2014​pucpr.brpucpr.br.
  • Dias, D. M. Avaliação do impacto da capacitação do servidor na Prefeitura de Manaus – Dissertação UFAM, 2019​tede.ufam.edu.br.
  • Ministério das Cidades. Programa Capacidades – Portal Gov.br, acesso em 2024​gov.brgov.br.
  • ANA. Normas de Referência de Indicadores de Saneamento – Cursos ARIS/ANA, 2023​arismt.com.br. (entre outras fontes utilizadas ao longo do texto)

Artigos assinados são responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a visão institucional da Revista Saneas e da AESabesp.

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