O planeta tinha menos de quatro bilhões de pessoas em 1972. São cinco décadas da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, que ocorreu entre os dias 5 e 16 de junho de 1972, sediada em Estocolmo, na Suécia, reunindo representantes de 113 países, pela primeira vez, para debater os rumos e encontrar soluções para a questão ambiental, que já se mostrava no início da década de 70 como extremamente urgente. A Conferência teve, como um dos principais resultados, a Declaração de Estocolmo e a criação do emblemático Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que se tornou referência da ONU para essa agenda. Nos anos 70, a poluição atmosférica já preocupava a comunidade científica, além dos desafios de despoluir as águas e o solo, em decorrência da industrialização acelerada das décadas anteriores e a pressão do crescimento demográfico sobre os recursos naturais. Era um dos principais desafios ambientais naquela década a universalização do saneamento.
Todos os grandes temas dos desafios de 1972 ainda são atuais, infelizmente. Muitos países e estados subnacionais, inclusive no Brasil, ainda não conseguiram levar água tratada para os cidadãos e ou recolher os esgotos e tratá-los adequadamente, sem falar dos desafios da gestão dos resíduos, dolorosamente atuais. Atualmente são oito bilhões de habitantes, oito bilhões de possibilidades e desafios, a população dobrou e os desafios se tornaram mais agudos e mais intensos, e, aos desafios dos anos 70, somam-se a urgente necessidade de redução de gases de efeito estufa (GEE).
Sim, o ser humano é capaz de alterar o clima do planeta. Após algumas décadas de dúvidas no ambiente científico, já se tem um bom consenso e sabe-se que o ciclo natural está voltado ao aquecimento natural do planeta. Sabe-se que esse processo seria sem interferência humana, muito lento, quase imperceptível, e que a interferência humana que se acentua década a década, desde a revolução industrial, ampliou a escala ao processo, acelerando-o brutalmente, em especial a partir do século XX, tornando-o quase irreversível e avassalador.
Na década de 70 assume-se que a temática ambiental é global e os desafios demandam um olhar das Nações Unidas, e a Conferência de Estocolmo em 1972 foi realizada. Na década de 80, a ciência já iniciava a desvendar os processos do aquecimento global, e é instalado o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que inicia a construção da governança global e a compilação das pesquisas científicas nessa agenda. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (sigla no inglês UNFCCC) e seu Protocolo de Quioto foram propostos na década de 90, quando se inicia a estruturação do regime internacional de mudanças climáticas, que se torna mais efetiva na década seguinte. Dez anos depois, se faz necessário adotar um novo Acordo Internacional, pois o Protocolo de Quioto, uma ação inovadora e experimental, não consegue a adesão e os resultados necessários para reverter o quadro de emissão de GEEs nos países desenvolvidos. As negociações internacionais que irão culminar com a proposição do Acordo de Paris, iniciam-se na Conferência das Partes (COP 15) em Copenhagen, realizada em 2009. E em 2015, o Acordo de Paris é o resultado da COP 21 na cidade de Paris; em 2016, inicia-se seu processo de ratificação, e entra rapidamente em vigor, propondo uma agenda amplamente aceita pelos países para as próximas décadas.
O Acordo de Paris é ambicioso, que tem por base as contribuições nacionais para redução de GEEs, sem metas unificadas definidas previamente, como as adotadas pelo Protocolo de Quioto para os países desenvolvidos. Esse Acordo é um novo arranjo internacional, que amplia as possibilidades de redução de emissões, inclusive para os países em desenvolvimento, resultante de articulações internacionais muito sofisticadas, que incluíram os Estados Unidos da América entre suas partes.
E chega-se a 2022. Ano emblemático, com a realização da COP 27, acumulando uma base técnica econômica e política, concentrando quase três décadas de esforços para que a UNFCCC decole e que os esforços para implementação do Acordo de Paris sejam mais efetivos.
Durante quatro longos anos de presidência de Donald Trump, os Estados Unidos da América remaram contra esses esforços internacionais, ignorando-os, desqualificando-os. Em paralelo, a indústria das energias renováveis vive uma explosão mundial, em termos de potência instalada, em muitos países, como China, EUA e o Brasil, por exemplo. As demandas por ação climática mais efetiva, em muitos países, também passam a compor a agenda política e econômica. E tem-se no presente uma guerra nas fronteiras da União Europeia, erodindo os esforços pela ‘descarbonização’ das economias desenvolvidas. Os 50 anos da primeira grande Conferência ambiental demarcam uma era de profundos desafios.
Nesse contexto, a realização da COP 27, no Egito, conseguiu produzir boas novas, mesmo com prognósticos prévios negativos. Alguns temas concentraram as negociações: mitigação, florestas e agricultura; perdas e danos; financiamento climático para países vulneráveis; adaptação; mercados de carbono, transição energética; e justiça climática.
O Brasil está atrasado em quase todas as agendas que estão sob responsabilidade nacional: os programas nacionais de mitigação de GEE foram erodidos ou não implantados; enquanto os maiores emissores se esforçam por implementar mercados de carbono com regras transparentes e robustas, estamos patinando em promessas para redução de carbono nas áreas florestadas; a transição energética: nessa agenda estamos indo de vento em popa, mas nos ambientes que não dependem de gestão pública, ou seja, o setor privado está demonstrando sua vitalidade; as florestas e agriculturas: nesse campo os desafios são imensos e teremos que recuperar a erosão nos programas que foram implantados em anos anteriores; a justiça climática: nessa seara temos muito a aprender, mas certamente já avançamos de forma interessante nas ações sub nacionais.
Enquanto a agenda nacional está letárgica, os estados subnacionais desenvolveram ações, ampliaram a qualificação dos seus quadros e propuseram programas de redução de emissões, como por exemplo, o Acordo Ambiental São Paulo, experiência voluntária no estado de São Paulo, com 1661 adesões de associações, empresas e municípios.
A evolução das conferências das partes, as COPs no âmbito da UNFCCC, é intrinsecamente lenta. São cerca de 200 países, parte da Convenção do Clima, muitos interesses, posicionamentos e agendas internacionais destoantes, com forte influência indireta ou direta das grandes corporações impregnadas da cultura do petróleo. Além disso, o famoso ‘toma lá, dá cá’, por vezes, dificulta a evolução rumo a resultados consistentes. Porém, quase duas décadas como observadora dessas conferências, dá-nos a percepção que o tom predominante nessa narrativa é o impulsionamento para a gestão adequada desse imenso desafio internacional. Aguardem, os próximos artigos, com um aprofundamento dessas reflexões. Até breve.