Mercado de carbono: entre idas e vindas, será que o Brasil desta vez acerta?

As mídias sociais andam bastante alvoroçadas com o mercado voluntário de carbono no Brasil, tema que, entre fake news e verdades, merece uma reflexão.

Mas o que vem a ser um mercado de carbono? É um sistema de compensações de emissão de carbono e ou gases que causam efeito estufa (GEE), que sejam equivalentes ao dióxido de carbono, o principal desses GEEs, considerando a emissão antrópica. Como funciona esse mercado? Funciona por meio da aquisição de créditos de carbono por empresas que não conseguiram fazer suas reduções de GEE, adquirindo créditos daquelas que já alcançaram suas reduções de emissão. As regras são comuns aos setores pré-definidos para fazer parte deste mercado e são pré-estabelecidas.

São duas as estratégias possíveis e mais utilizadas, para viabilizar as ações de mitigação de emissões de GEE. A primeira é conhecida como política de comando-controle, em que o Estado estabelece a regulação direta e define as regras deste mercado. A segunda é por instrumentos econômicos, com a adoção de incentivos e subsídios e precificação de carbono, que consiste na atribuição de um preço sobre as emissões de GEE. No caso dos mercados regulados, há interação entre os setores regulados nesse sistema que podem comprar e vender emissões de GEE, lembrando que as regras são pré-definidas e estabelecidas pelo Estado previamente. O sistema de mercado regulado mais utilizado em outros países e estados subnacionais é o comércio de emissões, denominado cap-and-trade.

No dia 5 de junho de 2023, em que o mundo inteiro comemorava o Dia do Meio Ambiente, assistimos à revogação do Decreto Federal 11.075 de 2022, que estabelecia procedimentos para elaboração dos planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas e instituía o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE), cuja finalidade era servir de central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa (GEE) e de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões. Adicionalmente, o mencionado Decreto instituía a realização de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. 

O Decreto 11.075/2022 teve vida curtíssima, sua revogação já era aguardada no início deste ano pelos segmentos especializados no mercado de carbono. Além de não criar um mercado regulado de emissões, não contribuiu para agilizar o mercado voluntário no Brasil, que por ter a voluntariedade como pressuposto, não depende de legislação para ser efetivo.

Esse que seria ‘o mais moderno e inovador mercado regulado de carbono’, com foco em exportação de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono, não provocou impressões positivas durante a realização da COP 27 em Sharm El Sheikh. Não ampliou ou contribuiu para a proposição de projetos robustos para compensar emissões, e não gerou ações efetivas que impulsionassem projetos críveis do mercado de carbono no Brasil. Em resumo, já foi tarde…

O Brasil não conseguiu decretar o mercado de carbono voluntário ‘por decreto’, o que se sabia não ser possível. E não conseguiu produzir orientações e ou diretrizes para os agentes econômicos impulsionarem o mercado de carbono.

A revogação do Decreto 11.075/2022 foi uma sinalização estratégica para nortear novos rumos para a agenda da regulação de emissões e o uso de instrumentos implantados nacionalmente para que o mercado de carbono possa se fortalecer com robustez e viabilidade, em um movimento consoante com os compromissos nacionalmente determinados para o Acordo de Paris.

Será interessante para a evolução desta agenda no país considerar que as inúmeras lacunas e problemas apontados com a publicação do Decreto 11.075/2022 possam ser considerados como lições aprendidas, para que essa agenda prossiga numa rota mais adequada ao país. 

A expectativa que os próximos passos dessa agenda incluam um cenário, em que efetivamente as emissões de GEE sejam reguladas, propiciando um ambiente favorável aos setores da economia pertinentes a serem incluídos em um instrumento de mercado do tipo cap-and-trade, harmônico com os compromissos nacionais junto ao Acordo de Paris.

O cenário é desafiador, e em paralelo com as expectativas sobre o prosseguimento futuro dessa agenda, desde 2015, diversos projetos de lei (PL) tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de incluir a precificação do carbono, no cenário do desenvolvimento econômico no país. Entre as propostas defendidas pelos congressistas, podem ser citadas cinco proposições, entre elas, iniciativas que priorizam a tributação do carbono, seja por meio de incentivos fiscais para produtos de baixo carbono, seja por meio da criação de planos de neutralização ou do efetivo mercado regulado, a saber:

·       PL 2148/2015 – prevê a redução das alíquotas de tributos sobre a receita de venda dos produtos elaborados com redução das emissões de GEE. Os tributos são o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a contribuição para o PIS/Pasep e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). A proposta tramita em regime de urgência no Plenário da Câmara.

·       PL 10073/2018 – prevê a redução de IPI para produtos adequados à economia de baixo carbono. A proposição está sujeita à apreciação do Plenário. Este PL está incorporado (ou apensado) ao PL 2148/2015.

·       PL 5710/2019 – prevê que a administração pública elabore o Plano de Neutralização de Carbono, visando à redução e à compensação das emissões de GEE gerados por suas atividades. Pela proposta, no plano devem contar: inventário de emissões, visando à redução e compensação de GEE pela Administração Pública. Este PL está incorporado (ou apensado) ao PL 2148/2015.

·       PL 290/2020 – prevê a compensação ambiental da geração de energia elétrica e a certificação de créditos de carbono para empreendimentos de geração por fontes alternativas. Prevê metas de redução ou de compensação de emissões de GEE às usinas termelétricas e assegura a empreendimentos que produzem energia a partir de fontes renováveis – solar, eólica, geotérmica, energia dos oceanos e da biomassa de origem certificada – direito a títulos que representem créditos de carbono, as chamadas Reduções Certificadas de Emissão (RCE). Regulamenta o mercado de carbono para o setor de energia. Este PL está incorporado (ou apensado) ao PL 2148/2015.

·       PL 528/2021 – prevê regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), determinado pela Política Nacional de Mudança do Clima, Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009.  Está incorporado (ou apensado) ao PL 290/2020

Adiciona-se a estas iniciativas o PL 412/2022, proposto em fevereiro de 2022, que está em tramitação, e também prevê a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), previsto pela Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que altera as Leis 11.284, de 2 de março de 2006; 12.187 de 29 de dezembro de 2009; e 13.493 de 17 de outubro de 2017.

Os desafios são imensos e a apreensão com os rumos dessa agenda são palpáveis.

Um sistema de comércio de CO2 eficaz pode ser uma garantia de previsibilidade nos investimentos para descarbonizar a economia brasileira e paulista. Além disso, pode ampliar a segurança para as transações de direitos de emissão e redução de emissões, e colocar o Brasil numa agenda mais transparente na gestão do carbono. Veremos como será.

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